
Foz Tua: quando a relação com o rio muda
O projeto de construção de uma nova barragem nunca é um tema consensual e a barragem de Foz Tua não foi exceção. Apesar de serem sempre associadas a promessas de desenvolvimento regional, como é que estas se cumprem? Qual o impacto ambiental e local? Devemos olhar para as barragens – e esta em particular - como uma oportunidade ou um problema?

Este é o ponto de partida para perceber o porquê de este tipo de construções estar sempre envolvido em polémicas, apesar da avaliação ambiental e das medidas de compensação que são definidas e implementadas. O que era visto nas décadas de 50 e 60 como um fator de desenvolvimento inequívoco, nos dias de hoje é tido também como uma dificuldade para a população e para o ambiente.
A primeira pedra do projeto da barragem de Foz Tua
Tudo começa no Rio Tua, afluente da margem direita do Rio Douro. A barragem de betão em abóbada com dupla curvatura, e com uma altura de 108 metros, está situada no concelho de Alijó, distrito de Vila Real, e no concelho de Carrazeda de Ansiães, distrito de Bragança. A albufeira do Rio Tua abrange ainda os concelhos de Murça, Vila Flor e Mirandela.
A construção foi anunciada em 2007, no âmbito do lançamento do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico, pelo governo português. Foram a concurso 10 barragens e a EDP ganhou a concessão de Foz Tua, Fridão e Alvito.
As obras da barragem foram, assim, iniciadas em abril de 2011. O valor do investimento foi estimado em cerca de 400 milhões de euros, contribuindo para a criação de 4 mil postos de trabalho.
Como criámos e gerimos a nossa relação com os vizinhos?
Sendo uma das barragens mais controversas em Portugal, a EDP quis garantir que a construção deste aproveitamento hidroelétrico passaria por uma relação de confiança e comunicação. E como fazê-lo? Identificando e trabalhando, de perto, com os stakeholders relevantes para os envolver nas decisões.
Tornou-se ainda indispensável esclarecer as autarquias e a população sobre os projetos, logo na fase de avaliação ambiental.

Nesta fase, surge a necessidade de criar um fórum comum para potenciar o desenvolvimento regional.
É a partir daqui que Ana Paula Moreira considera que foi tomada uma abordagem inovadora e muito positiva. "A grande vantagem que o Tua teve relativamente aos aproveitamentos anteriores foi termos constituído a Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua (ADRVT), que é uma agência com os 5 municípios afetados diretamente pela albufeira e pela barragem, juntando a EDP". Isto quer dizer que há "5 entidades públicas (Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça e Vila For) com um promotor privado, num fórum que analisa problemas, que define estratégias e que implementa planos de ação para o desenvolvimento regional numa plataforma supra municipal, em que a “cola” é um aproveitamento hidroelétrico. [...] Isto não é vulgar".
Da Declaração de Impacte Ambiental às medidas no terreno
Foi no seio da ADRVT, num modelo inovador em que o processo de tomada de decisão é feito de uma forma participativa e inclusiva, que foram pensados e elaborados os projetos para minimizar e compensar os impactos da barragem numa região já empobrecida e que apresentava algum receio de assistir ao fim das comunidades do Tua.
Também os impactos no Douro Património da Humanidade, no vale do rio Tua, e a inundação da centenária linha ferroviária lá existente foram tidos em conta no desenvolvimento de um intenso programa, inserido na resposta à Declaração de Impacte Ambiental (DIA).
A UNESCO chegou a visitar o território duas vezes por queixas apresentadas pela Plataforma Salvar o Tua, que alegou que o projeto da EDP colocava em causa a classificação daquela organização do Douro Vinhateiro como património da humanidade. Mais tarde, a UNESCO concluiu que a construção da barragem não punha em risco aquela região.
Assim, para responder às necessidades identificadas pela ADRVT, a EDP anunciou, a reformulação do projeto para mitigar o seu impacto, trabalhando com o arquiteto Souto Moura "para conseguir a melhor solução possível e para que a barragem venha a constituir um valor acrescentado para o local", como explicou à Lusa o diretor geral do projeto Freitas da Costa.
"Para cada impacto, existem medidas"
Ana Paula Moreira explicou que "o que aparece no estudo de Impacte Ambiental não é bem um risco. São analisados os impactos e para cada impacto existem medidas".
Foi desta forma que passou a explicar como foi compensada a afetação da biodiversidade do empreendimento, levando à construção do Parque Natural Regional do Vale do Tua. "Tínhamos de constituir um fundo ambiental, de 3% da receita líquida, que tinha de ser entregue para a gestão do aproveitamento, que era gerida pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Conseguiu-se fazer, através dessa parceria, um grande projeto que é o Parque Regional do Vale do Tua". Essa verba passou para os munícipes, sendo gerida localmente. Este foi o primeiro parque natural regional do país e pertence à rede natural.pt.
A execução do Centro Interpretativo do Vale do Tua é outro projeto impactante que tem como objetivo constituir a preservação da memória do vale e ajudar na divulgação do património cultural desta região.
Para colmatar a inundação da linha ferroviária (que já estava inativa), foi necessário criar o Plano de Mobilidade do Tua. Este tema foi o mais polémico entre os média, mas também empolgante para Fernando Barros, presidente da Câmara de Vila Flor. "Estamos a fazer história", disse à Lusa numa entrevista em 2017.
Este plano multimodal incluiu: fluvial, ferrovia e rodovia. "Em conjunto, e na sede da Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua, montou-se então um plano multimodal, encontrou-se um operador privado (MysticTua - entidade do Douro Azul) para gerir, explorar e operar esse plano de mobilidade. Passámos a fazer um plano que inclui outros modos de transporte além da linha afetada. E isso foi promovido sempre pela EDP, mas com a agência envolvida, que é a grande dinamizadora do desenvolvimento local", explicou a gestora de Relações com as Comunidades.
O Programa de Empreendedorismo foi mais um exemplo de mitigação implementado pela EDP. A desertificação e o desemprego foram temas bem focados durante o estudo do impacte deste empreendimento na população. Se a fase de obra da construção de uma barragem traz emprego e dinamismo local, é preciso também assegurar que existe uma visão de médio-longo prazo. Por essa razão, criou-se um programa de empreendedores e criação de negócios. Em Foz Tua e Baixo Sabor foram criadas 86 empresas, que correspondem a cerca de 80% do saldo das empresas criadas e existentes na região, em 2011.
"Começou como Empreende Tua, com a EDP, e passou, depois, para a Agência, que passou a ser promotora, para incorporar no seu ADN a construção deste tipo de projetos mais imateriais, digamos». Ana Paula Moreira revela que a ADRVT efetuou recentemente uma candidatura a fundos comunitários para reforçar o programa e viu-a ser aceite, com uma comparticipação de 560 mil euros. «As coisas não foram feitas e terminam… existe continuidade, sustentabilidade dos projetos, que continuam e vão para além daquilo que é a construção de barragens", concluiu.
Um futuro melhor
O empreendimento hidroelétrico começou a produzir energia a partir do verão de 2017, com «uma licença de ensaios». A explicação foi dada pelo administrador da EDP à Lusa. As obras foram terminadas e o estaleiro na barragem serviu para a recuperação paisagística, projetada por Souto Moura.
O administrador afirmou que "todas as obrigações da EDP no que diz respeito ao cumprimento da Declaração de Impacte Ambiental foram cumpridos e por isso espera que seja emitida a licença de exploração definitiva".
A barragem de Foz Tua pretendeu reforçar em 6% a capacidade de produção hídrica do país. A energia gerada iria permitir a médio prazo uma redução anual de 20 milhões de euros em importações de combustíveis fósseis.
Além disso, a EDP continuou a marcar presença na região para monitorizar o sucesso das suas ações.
A relação de proximidade com a população foi parte integrante da manutenção do projeto. "No fundo quando executamos uma barragem ou central, quando criamos uma albufeira, estamos a fazer novos vizinhos", algo que para Ana Paula Moreira foi muito positivo.
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Nota: A EDP concluiu em dezembro de 2020 o processo de venda de um portefólio de seis centrais hídricas a um consórcio de investidores liderado pela Engie. O portefólio de seis barragens na bacia hidrográfica do Douro envolvidas nesta operação inclui três centrais de albufeira - Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro, e três centrais de fio de água Picote, Miranda e Bemposta.